Minha Lavra do teu Livro 13 | "O PAI DO CATAVENTO", de GLORIA KIRINUS, com ilustrações de MÁRCIA CARDEAL - por Nic Cardeal
Minha Lavra do teu Livro 13
- resenhas afetivas -
O MENINO CATAVENTO E SEU
'MANTRA RODOPIANTE':
"VOU CHAMAR MEU PAI,
VOU CHAMAR MEU PAI!"
Por que tem gente que tem pai e tem gente que não tem pai? Quando criança, eu nunca cheguei a fazer essa pergunta, porque achava tão natural ter pai e mãe dentro de casa, que pensava que todas as pessoas no mundo eram assim, tudo certinho: pai, mãe e filho...
Depois de um pouco mais crescidinha, comecei a notar que, de fato, tinha gente que não tinha pai, assim como também tinha gente que não tinha mãe e, várias vezes, muita gente não tinha nem um, nem outro... Então, eu cresci e compreendi que são muitas as possibilidades de respostas para essa pergunta. E, para cada caso, serve apenas uma...
E você, alguma vez já se fez essa pergunta: - Por que tem gente que tem pai e tem gente que não tem pai, tem gente que tem mãe e tem gente que não tem mãe? Eu lembrei disso no dia em que li esse livro incrível, escrito por GLORIA KIRINUS e lindamente ilustrado por minha irmã MÁRCIA CARDEAL: O PAI DO CATAVENTO (Belo Horizonte/MG: Aletria, 2021), e que fala de um menino que queria muito saber quem era (ou, quem tinha sido) seu pai!
Catavento é o nome dele. Um menino tão bonito, tão bonito... mas, tão incomodado com as 'brincadeiras de mau gosto' dos colegas da escola... ele voltava para casa sempre triste, de nada adiantava repetir seu mantra: "vou chamar meu pai, vou chamar meu pai...", porque a turminha era mesmo difícil de entender...
A Gloria, a escritora que escreveu essa história, conta que a mãe desse menino sempre reclamava para a diretora, mas tudo se repetia no outro dia, no dia seguinte, e no outro dia... O que haveria de errado com o seu filho? Para ela, nada, absolutamente nada! Para ela, o problema tinha um único nome: in-ve-ja! Afinal, seu menino era mesmo muito lindo, por isso os colegas implicavam tanto com seus cabelos grandes, coloridos e rodopiantes! Para a diretora, porém, o nome era outro, muito mais difícil e 'estrangeiro': "bullying", ela dizia, isso só poderia ser "bullying"!
Mas, o que fazer? O pequeno Catavento já não queria voltar para a escola, estava cansado, triste, desanimado... A mãe, por sua vez, só queria mesmo era encontrar um jeito de animar o filho, doía em seu coração o olhar tão cabisbaixo do menino. O que a mãe não esperava era que o pequeno Catavento perguntasse, muito de repente, logo num dia em que ela estava na mais pura distração: "- Mãe, quem é meu pai?" (p. 9). A mãe emudeceu, o menino esperou, esperou... e depois... bem depois... muito tempo depois, até pareceu que ele havia esquecido da pergunta sem resposta...
No outro dia, já um tantinho recuperado da tristeza sem tamanho, Catavento resolveu ir para a escola outra vez. Enquanto o menino estudava, a mãe repetia sua rotina: arrumar a casa, fazer comida, seguir a vida... Mas, a pergunta do filho não saía da sua cabeça, esvoaçando seus longos cabelos de um lado para o outro, num verdadeiro rodopio de preocupação e receio: o que diria ao menino? Aleatoriamente - tal qual um vento esvoaçante - a mãe resolveu abrir um 'certo' livro da estante, para distrair seu pensamento...
Diz a Gloria que a mãe leu do livro um bocado, mas ainda não sabia o que responder ao filho encafifado... Os dias se passaram, até que o menino (de novo) insistiu: "- Mãe, quem é meu pai?" (p. 12). Foi então que a mãe lembrou do livro e, tirando-o de novo da estante, começou a ler para o filho. Catavento, no início, não prestou atenção... Porém, no meio da leitura, outra vez perguntou à mãe: "- Mãe, quem é meu pai?" (p. 16). Aos poucos, enquanto ia ouvindo a leitura, tudo começou a fazer mais sentido e a se encaixar na cabecinha 'girante' do menino, quando a mãe insistiu que 'seu pai estava na história' (p. 16).
ilustração do livro O pai do Catavento, p. 17
E a mãe continuava a ler para o filho... E o filho? O filho continuava a esperar pela resposta: "- Mãe, quem é meu pai?" (p. 20)... Quando finalmente a mãe parou, o menino - muito curioso - resolveu seguir a leitura por sua própria conta.
Na manhã seguinte, Catavento levou o 'misterioso' livro para a escola e, na hora do recreio, sentou sozinho em um canto do pátio, para continuar a ler. Claro que, como já era esperado, os colegas riram dele... Porém, o menino, tão envolvido que estava com seu livro, até se esqueceu do seu costumeiro mantra "vou chamar meu pai, vou chamar meu pai" e, inesperadamente se defendeu, quando tentaram tirar o livro de suas mãos! Era como se Catavento lutasse contra 'gigantes poderosos', de tão mais poderoso que se sentiu com seu 'grande' livro entre as mãos! Os colegas, assustados com o 'novo' Catavento, afastaram-se devagarinho, surpresos, quietos, ressabiados (p. 23)!
ilustração do livro O pai do Catavento, p. 22
Catavento continuou a ler, esvoaçando sua imaginação nas asas dos moinhos, sem nem perceber quando os colegas resolveram se reaproximar e se sentaram ao seu redor, curiosos com aquele livro 'enorme e poderoso'! Afinal de contas, que livro misterioso era aquele?
Como seria possível o pai do Catavento estar na história dos moinhos de vento? Para saber de que jeito o menino finalmente descobriu quem era (ou, 'onde estava') seu pai, vou te contar um segredo 'já não tão secreto assim': corre logo soprar um bom vento na orelha da Gloria ou no pincel da Márcia - quem sabe uma delas, num rodopio de 'moinhos de vento', te conta bem ligeiro quem (ou qual) deles nessa história é, de fato (ou de 'inventos') o 'valente' pai do menino Catavento?
ilustração do livro O pai do Catavento, p. 24
Ah, e não se esqueça de uma coisa muito importante: no final das contas, não importa muito saber por que tem gente que tem pai e tem gente que não tem pai, ou por que tem gente que tem mãe e tem gente que não tem mãe! Na verdade, o que vale mais (muito mais!) é saber que, mesmo que não tenha sido possível ficar juntinho dele, ou dela, ou deles, a vida inteira, por questão de destino, o mais importante é sentir que é possível encontrar o pai ou a mãe até dentro de um livro e, bem mais perto ainda do que isso: dentro do seu próprio coração! É bem certo isso (pode perguntar para a Gloria ou para a Márcia): pai e mãe a gente leva no peito, marcado forte por dentro, mesmo que tenha nisso tudo um pouco de invenção que foi imaginada pelos rodopios de um doce sopro de vento!
(Nic Cardeal)
capa do livro O pai do Catavento
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A escritora Gloria:
fotografia do arquivo pessoal da autora Gloria Kirinus
GLORIA KIRINUS é natural de Lima/Peru, naturalizada brasileira e residente em Curitiba/PR. Graduou-se em Turismo pela Escuela Nacional de Turismo em Lima (ENT) em 1971; em Letras-Português pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 1986; em Letras-Espanhol pela UFPR em 1991. Especializou-se em Literatura Brasileira pela UFPR em 1987. Concluiu o mestrado em Literatura Brasileira pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRJ) em 1991; o doutorado em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) em 1998; e o pós-doutorado pela Université Paris Descartes em 2014. Gloria é tradutora literária, além de criadora e ministrante da oficina de criação literária e pedagogia poética, 'Lavra-Palavra'.
Gloria Kirinus escreveu os seguintes livros bilíngues de literatura infantojuvenil: O galo cantou por engano (El gallo canto equivocado; São Paulo/SP: Paulinas, 1994); Te conto que me contaram (Te cuento que me contaron; São Paulo/SP: Cortez, 2004); Quando chove a cântaros (Cuando llueve a cántaros; São Paulo/SP: Paulinas, 2005); Sete quedas, sete anões e um dragão (Siete cascatas, siete enanos y um dragón; Curitiba/PR: InVerso, 2005); Quando as montanhas conversam (Quando los cerros conversan; São Paulo/SP: Paulinas, 2007); Se tivesse tempo (Se tuviera tiempo; São Paulo/SP: Larousse/Escala, 2010); Lâmpada de lua (Lámpara de luna; São Paulo/SP: Larousse/Escala, 2011); e Tartalira (Tortulira; São Paulo/SP: Melhoramentos, 2014). Publicou, ainda, em português, os seguintes títulos de literatura infantojuvenil: Menino do mar (São Paulo/SP: Melhoramentos, 1990); O camelo e o camelô (São Paulo/SP: Paulinas, 1998); Aranha castanha e outras tramas - crônicas e contos (São Paulo/SP: Cortez, 2006); O sapato falador (São Paulo/SP: Cortez, 2008); Um barco em meu nome (São Paulo/SP: Paulus, 2012); Carta para el niño (São Paulo/SP: Paulus, 2012); Formigarra, Cigamiga (São Paulo/SP: Paulinas, 2013); Um sol em meu nome (São Paulo/SP: Paulus, 2014); Entre dezembro e janeiro (Curitiba/PR: InVerso, 2015); Os números primos e seus sobrinhos (Porto Alegre/RS: EDELBRA, 2016); Um antônimo em meu nome (São Paulo/SP: Paulus, 2018); Auroras e madrugadas (Curitiba/PR: InVerso, 2021); A lhama e o cisne (Curitiba/PR: InVerso, 2021); O pai do Catavento (Belo Horizonte/MG: Aletria, 2021). Também publicou o livro de minicontos Simplícios e Confúcios (Curitiba/PR: Kotter Editorial, 2019); além dos livros teóricos na área de Letras e Educação: Criança e poesia na pedagogia Freinet (São Paulo/SP: Paulinas, 1998); e Synthomas de poesia na infância (São Paulo/SP: Paulinas, 2011).
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A ilustradora Márcia:
MÁRCIA CARDEAL é natural de Brusque/SC, onde reside há muitos anos. Artista plástica, foi professora universitária, e iniciou sua carreira como ilustradora ainda na adolescência. É graduada em Comunicação Visual pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, especialista em Design de Embalagens pela Universidade Federal do Paraná - UFPR, e mestre em Artes Visuais pela Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC.
Sua pesquisa de mestrado relacionou-se ao estudo e análise de imagens tátil-visuais que ilustram livros de literatura produzidos para crianças cegas, e seu trabalho foi focado na produção de ilustrações em relevo tátil a partir de histórias escritas por Maria Lúcia Batezat Duarte, e que fizeram parte da 'Exposição Mãos para Ver', realizada pelo SESC Santa Catarina, que circulou por diferentes cidades do Estado.
Márcia é poeta das imagens, mas também é poeta de palavras, como a própria já disse uma vez: "finge-se de ilustradora, mas secretamente arrasta uma asa pela poesia"!
Livros ilustrados por Márcia Cardeal: Verde vale (seu primeiro livro ilustrado, autora: Urda Alice Klueger, 1979); Dança de cabeça (autora: Ines Da Silva Mafra, Fundação Catarinense de Cultura/1981); Poemas-Estórias (autora: Maura de Senna Pereira, Achiamé/1984); Maria Mania (autora: Marta Martins, Loyola/1988); Vovó quer namorar (autora: Maria de Lourdes Krieger, FTD/1990); Pomar de palavras (autor: Alcides Buss, Cuca Fresca/2001); A casa amorosa (autora: Ines da Silva Mafra, Cultura em Movimento/2002); Cachinhos da Zinha (autora: Terezinha Andrade Viecelli, edição da autora/2002); Pequeno gafanhoto biografado (autor: Valdemir Klamt, Escrituras/2002); Florianópolis para conhecer e brincar (autora: Bebel Orofino, Cuca Fresca/2006); Que saudade que dá (autora: Tânia da Costa Minella, 2008); Uma casa sem cor (autora: Zahidé Lupinacci Muzart, Mulheres/2009); É tempo de pão-por-Deus (autora: Eliane Debus, Copyart/2011); A dança das cores (autor: Luís Pimentel, Fundação Dorina Nowill para Cegos/2011); Leonorinha, a menina sardenta (autora: Maria de Lourdes Schmitz, DOM/2012); Princesa Joana (autora: Terezinha A. Viecelli, edição da autora/2012); Rua Âmbar (autora: Eloí Elisabete Bocheco, Formato/2013); Um cavalo para Eduardo (autor: Antonio Carlos Floriano, Escritinha/2013); Vazio tropical (capa do CD do músico: Wado Schlickmann, 2013); O anjo avoado (autora: Suzana Mafra, Nova Letra/2014); O guarda noturno (autora: Zahidé Lupinacci Muzart, Mulheres/2014); Rimas e números (autora: Eloí E. Bocheco, Cuca Fresca/2017); Vento no catavento (autor: Antonio Carlos Floriano); No dorso da palavra (autora: Ligia Savio, Liquidbok/2018); Coletânea Elas e as letras (org. Aldirene Máximo & Jullie Veiga, Versejar/2018); Sede de céu (autora: Nic Cardeal, Penalux/2019); Doce de lua (autor: Valdemir Klamt, Nave/2021); O pai do Catavento (autora: Glória Kirinus, Aletria/2021); entre outros.
Nic, ahhh, Nic, como você me comove com essa escrita tão potente, linda, delicada. Abraço imenso e gratidão maior.
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