SEIS POEMAS DE SIL SCHMIDT | PROJETO 8M
8M (*)
Mulheres não apenas em março.
Mulheres em janeiro, fevereiro, maio.
Mulheres a rodo, sem rodeios nem receios.
Mulheres quem somos, quem queremos.
Mulheres que adoramos.
Mulheres de luta, de luto, de foto, de fato.
Mulheres reais, fantasias, eróticas, utópicas.
Mulheres de verdade, identidade, realidade.
'Dias mulheres virão',
mulheres verão,
pra crer, pra valer!
(Nic Cardeal)
Mergulhe na poesia sempre surpreendente de SIL SCHMIDT:
A ÚLTIMA CARTA
Há muito que escrevo versos tontos sem graça
por que insistir se queres ir aonde o vento corta
Aqui é árido e já ouço o silêncio dos afogados
neste emaranhado de quase noite em cartaz
Nem mesmo planto ou rego flores os canteiros
a praça que me rodeia foi bem menos escassa
É hora qualquer novo sinal soaria como lâmina
que esgarça abrindo velhas feridas sobre brasa
O caminho está aberto melhor assim meu caro
do que a espera ilusória-atroz dos que se casam
Ouço um fino assobio agora ali - talvez seja ele o
pássaro negro - da hora - um aventureiro audaz
que rodeia folhas secas das árvores e não pousa
O tempo é escasso para mim que te enamora
as lentes embaçadas a fina pele em dobras e
um copo de água fria uma sopa morna ao lado
Assim alinhavo esta fala - onde me subscrevo
[há pratos sobre a pia precisam ser lavados]
(* poema do livro Circunstâncias, p. II)
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O PENSAMENTO COMO INVESTIGAÇÃO [OU O QUE NÃO CALA
Pode ser o Amor apenas uma brisa
entre flores num vaso de alabastro
um ponto mínimo no espaço entre
o tempo d'um&outro breve abraço
O amor Amor como possibilidades
seus defeitos de fábrica e crassos [erros
causos ao acaso apenas fala penso
laços entre fumaças ou o percalço
O bem me quer malmequer prumo
- Um corpo a corpo com o - NADA
[Dante responda-me sim - aguardo]
(* poema do livro Circunstâncias, p. VII)
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SÍMBOLOS ESCRITOS À LUZ DO ETERNO [BEATRICE SEM DANTE
A b c d - os signos ao vento sopram
escrever como quem debulha a obra
semente às fibras do trigo - alimento
Ao sorver de sua poeira a terra o ar
dedos rijos nos intervalos do tempo
entre o amor e o medo - interregnos
Imperfeita escrita tal qual movimento
de ondas em sopro d'alma sob o mar
ritmos em sílabas formam leve poema
por obra do divino tempo escrever no
papel sobre a mesa tal qual sobrevida
palavras intercaladas - alumbramento
Poeticalidade será livre o pensamento
memória qualquer vão de lembranças
contatos perdidos entre afetuosidades
[Escrever como se dança uma canção [de verdade
(* poema publicado no livro Circunstâncias, p. XIII)
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CICATRIZ
"A poesia tem comunicação secreta com o sofrimento do homem"
(Pablo Neruda)
I
Reconheço sobre minha pele fina sua cicatriz-costura em corpo-texto
As navalhas o estilete agulhas e bisturi feitos riscos de giz sobre mim
A presa - resquícios de vida traçados - como lei permissiva - sem doulas
II
Reconheço suas fissuras as pegadas na areia da praia por isso escrevo
O tempo enquanto sujeito - cada uma de suas agruras o lençol branco
Lembro-me do fia a fio da sutura cingindo
o tormento em suas costuras
Estafas percorridas por um corpo-cronópio
entremeado por sofismas
Complacente no músculo o fosso em versos
e poemas sua tessitura
Nos olhos na boca no ventre na rosa rosa flora rasa - minha sua vagina
III
Reconheço cada legista e ou médicos a parte
operacional ali da maca
A parte do sistema cada companhia sob meus dias
tensos pós-cirúrgico
Os lábios unhas a gengiva como metáforas
e metonímias - mapeamento
As diretrizes nas linhas - cada anátema - suas folhas
caídas como penas
Não perdi seus detalhes eu aninhada sobre eles atenta
carne ali aberta
Reconheço sua memória - as cicatrizes
toda circunvizinhança - sob morfina
IV
[À mesa em letras prescritas - receitas em pílulas - assinada por um doutor]
[Reconhecer e preservar os conhecimentos tradicionais e a
sabedoria espiritual em todas as culturas que contribuem para a
proteção ambiental e o bem-estar humano.
Garantir que informações de vital importância
para a saúde
Humana - A Carta da Terra]
(* poema publicado na Antologia de Poesias Mulherio das Letras, pp. 42-43)
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PERSPECTIVA
Perplexo espelho
Perspectiva avessa
À janela aberta
Transversos reflexos
Imagem convexa
Contrário ao agora
Sua avareza perpétua-confessa
Perfeita sinuosa
Tal ângulo represa
Há pressa&promessas
Na comunhão dos pontos
Pontos dissonantes
Pontes circunstantes
Tal enquadrar é portal de aléns
Regressa ao sempre primevo
O zero circunflexo-acontecimento
Alemã brasílica afrodescendente
Por entre dentes em pálida maçã
Pele cabocla suaves por tantos nós -
Combustão despertencimentos pagã
Reporta à fora cada centelha vítrea
Sua alteridad' ferro vitalícia xamã
Tantos centros quanto foras&dentros
Por entre montanhas e cimento
Pássaros plantas e dentes cravados
Nos devires-semente à mão [
(* poema publicado na Antologia Mulherio das Letras Portugal - Poesia, p. 332)
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LIVRX
Sob linhas entre folhas - o papel - plano livre lhe cai
um vento - brisa sucinta para ele sopra todo o falar
mãos de anjos subscrevem no símbolo o som sibilar
Nele costumes união - de ritmos - em belas imagens
sincretismos entre decassílabos poemas ou haikais
revelam-se as dores d'alma do corpo inerte - cais
Signos que ao todo como - metáfora - em sílabas vai
incrustrando desejos e no tempo sua morada fazem
de platônica estrada suas curvas ruas ou mesmo ais
Assim em quase - poético filamento - profético se faz
alcançando invernos qual galhos em árvores - sublime paz
não se perscrutam sua origem ou mesmo sua finalidade
A palavra em sua metalinguagem - falácias nele escorre
entre areias brancas e tufos de algodão na incapacidade
por não refazer a trajetória - bagagem - a que lhe é d'fato
[Livrx - estado - de quem pensa em quase fúnebre
marcha cujo contrário também lhe é próprio e acertado de fato]
(* poema publicado na Antologia Conexões Atlânticas, p. 109)
imagem do Pinterest
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(*) 8M: 8 de Março = Dia Internacional da Mulher: Projeto 'Homenagem a mulheres escritoras/artistas', iniciado em março/2021, por Nic Cardeal.
fotografia do arquivo pessoal da autora
SÍLVIA SCHMIDT é natural de São Paulo. É professora, escritora, livreira, editora independente e curadora. Formou-se em Letras em Lorena/SP. Especializou-se em Comunicação e Semiótica - PUC/SP, Sociologia e Política - USP/SP, e Ontopsicologia - SC. Viveu no nordeste e no sul do Brasil.
Segundo sua biografia, "desde que deixou Florianópolis, em 2000, transformou-se em uma verdadeira nômade digital, explorando novas cidades, países e culturas, sempre em busca de liberdade, independência e inspiração".
Ministrou a disciplina de Literatura Brasileira durante quase 20 anos. Em 2014 criou a Símbol@Digital, editora para livros eletrônicos. Em 2017 criou a 'Livraria Mulherio das Letras', para comercialização e distribuição de obras literárias das escritoras integrantes do 'Movimento Mulherio das Letras'. Desde 2016 tem participado como mediadora em eventos literários em crítica interseccional.
Seus textos - poesia, romances, contos, ensaios, entre outros - têm sido publicados em diversas antologias, coletâneas e revistas literárias. De acordo com a autora, "com mais maturidade e intensa criatividade, hoje, busco na carreira de escritora e editora, o mesmo resultado obtido em sala de aula, e meu foco principal é trabalhar numa linguagem multimidiática e contemporânea (concretismo), uma psicologia revolucionária (ontológica). Busco na realidade vivida (auto ficção) e nas trocas culturais o público jovem e feminino em transcendência".
Livros publicados ou em progresso para publicação: Duty Free (romance, formato epub - em residência artística na 'Casa do Sol' - Instituto Hilda Hilst, Campinas/2000, Símbolo Artesanal); Jennifer's house (romance, em progresso, 2003); EnCONTrOS - uma cartografia do tempo (contos, 2012); Interregno - entre o tudo e o nada (romance inédito, 2012); Poemas à Carta da Terra (poesia, em progresso, 2012); Circunstâncias - uma polifania do pensar [de Beatrice a um certo Dante (poesia, Símbolo Artesanal/2017); Baladas para ou um caderno de passagens do mal (poesia, 2017); Mil Pétalas Púrpuras (ensaios, em progresso, 2017); Palavras sem Fronteiras (coletânea, 2017/8); e Made in Brasil (romance, Símbolo Artesanal/2019).
Participação em antologias e coletâneas: Antologia de Poesias Mulherio das Letras (org. Vanessa Ratton, São Paulo/SP: Costelas Felinas, 2017); Antologia Conexões Atlânticas (org. Adriana Mayrinck, volume I, Lisboa-PT: In-Finita, 2018); 2a. Coletânea de Prosa Mulherio das Letras (org. Cleonice Alves Lopes-Flois, Toledo/PR: Indicto, 2018); Antologia Mulherio das Letras Portugal - Poesia (org. Adriana Mayrinck, Lisboa-PT: In-Finita, 2020); Coletânea Retratos da Quarentena (contos, org. Silvia Schmidt, Símbolo Artesanal/2020); entre outras.
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