Para não dizer que não falei dos cravos 09 | A poesia de JOSÉ DANILO RANGEL
Para não dizer que não falei dos cravos (09)
A poesia de
JOSÉ DANILO RANGEL
O QUE PERDEMOS
A capacidade de sonhar?
Não perdemos.
A capacidade de confiar
completamente?
Não perdemos.
A capacidade de amar
numa total entrega?
Não perdemos.
Ao longo da vida,
às vezes, tão dura,
Se perdemos algo
é a capacidade
de ignorar
A realidade.
-*-
AS MOENDAS MAIS BONITAS
Organizações podem matar, sabia?
Não que possam com faca, com bala,
com pancada ou veneno.
Podem matar com descaso e violência
— pouca, mas sistemática, aplicada
todo dia de trabalho.
Organizações podem matar, não
que possam estrangular alguém, mas
estrangulam — não a carne, mas
a outra parte viva.
Organizações podem matar
com os tentáculos pegajosos da sua
crueldade e a falta de escrúpulos
dos seus cúmplices,
Suas metas inalcançáveis, seus
discursos bobos, falsos e desligados
da realidade, suas promessas
mentirosas,
Seu zero interesse pela vida
que tá sendo trocada por algum trocado.
Organizações podem matar, porque
podem matar as esperanças, os sonhos,
a dignidade de qualquer um, isso aí
que você costuma chamar de “eu”.
Não se iluda, não se deixe enganar
pelas palestras motivacionais,
pelos cartazes coloridos que falam
de resiliência e aquela história
de “somos família”,
Você não é forte o suficiente, você
não aguenta, ninguém aguenta e não,
não é só ver o lado bom das coisas.
As organizações podem matar
e, atualmente, ludibriando a vítima,
seduzindo com papinho coach,
como uma cobra que afagasse
a presa antes de esmagar todos
os seus ossos.
Sabe essa vontade que você tem
de não ir trabalhar nunca mais,
esse cansaço, esse horror dos dias
úteis?
Sabe essa sensação ruim que pega
você no domingo à noite, porque
depois, será segunda e você vai ter
que trabalhar?
Pois é, você tá sendo assassinado!
-*-
DIA DA MÃE
Minha mãe tinha sonhos, mas aí, teve
filhos. Ela nunca disse, nunca agiu, nunca
deixou sequer a menor pista de que a gente
era um peso, porque pra ela, nunca fomos,
embora tenhamos sido e pesado tanto.
Um homem abandona os filhos com uma
assustadora e infame facilidade e vai viver
a vida, como quem larga um sofá velho;
a mãe é capaz de se abandonar, se deixa
matar pra fazer viver seus filhos, mas
isso
é pedir demais delas, não é justo.
Minha mãe se esbagaçou de trabalhar
pra sustentar a gente, eu e meus irmãos,
teve depressão profunda e lutou pra não
ter mais, porque a gente precisava dela
e ela sabia. Nem adoecer ela pôde…
Minha mãe disse que esse ano não queria
presente, queria dinheiro, não sei pra
quê,
mas me doeu o coração não ter um milhão
de reais pra dar pra ela (talvez pagasse
a primeira parcela do que devemos).
Não que tenha me cobrado alguma vez.
Nunca. Todo o amor que me deu, foi
de graça.
Há muitas pessoas que não entendem
por que tantas mulheres não querem
ter filhos, entendo não entenderem:
não sabem nem como é, devem achar
que é só lindeza...
E há muitas mamães de tal modo
convencidas de que é inescapável
a maternidade e seus suplícios
que elas também não conseguem
entender mulheres que não querem
ter filhos,
Embora saibam mais do que ninguém
os inúmeros motivos pra não os ter.
Todos os anos romantizamos
sacrifícios, renúncias, angústias,
comemoramos o esmagamento
em massa de mulheres, e as
abandonamos um pouco mais,
confiados no discurso de que são
capazes de tudo, que são fortes,
invencíveis…
É como se parir lhes desse
superpoderes. Não dá.
“Tão bonito ser mãe”, dizem
as campanhas publicitárias!
E nossas mães, coitadas, não podem
nem reclamar, precisam fazer de conta
que valeu a pena.
-*-
“REDPILL”
O homem não sabe lidar com mulher?
Na verdade, não sabe nem o que é!
A não ser por meio de mitos, propagandas,
filmes, ritos, parábolas, conversas fiadas,
Tudo boato, nenhum fato;
Ele não conhece a mulher ela mesma,
só conhece a mulher objeto, a mulher
degrau, a mulher melancia,
A mulher pra casar, a mulher pra não
casar
A mulher minha santa mãezinha
que amo acima de tudo
A mulher minha esposa que limpa
a casa e cuida dos meninos
A mulher clínica de reabilitação,
a mulher que salva, cura, cuida
e dá juízo
Tudo que ele pensa saber sobre mulher
ele ouviu de outro homem,
Ele leu de outro homem, viu no Youtube,
de outro homem
Agora, (veja só que ousadas!)
Elas mesmas querem falar, contar
suas histórias, dores, alegrias, glórias,
É como se as plantas da casa dele
ganhassem consciência, do nada;
E exigissem direitos, reconhecimento,
valorização.
Por isso, eles estão indignados,
assustados, reativos, acuados,
É a negação, a raiva, a tristeza,
a barganha, antes da aceitação:
Eles estão em luto pela mulher
que eles conheciam,
A mulher máscara, cobrança,
expectativa, imposição, a mulher
para o homem, costela de Adão
Em luto pela mulher santa
cujo andor ainda pesa sobre
os ombros das mulheres.
Em luto pela “mulher de verdade”
que só existiu (e ainda existe)
ao custo de tantas outras
Que não puderam.
-*-
VENHO FALAR DE DESAMOR
Todo dia, pela manhã, tomo dois
golinhos de desamor próprio,
frio e sem açúcar, que é pra amargar
mesmo;
Mas é bom, sabia? Baixar um pouco
a bola, ficar feliz não por se sentir
a última bolacha no pacote,
por apenas estar no pacote,
Tanta bolacha por aí, despacotada…
A gente anda muito carente, sabia?
De amor, de se sentir amado e tal,
coisa que os “fast loves” não resolvem
Ao mesmo tempo, a gente anda
tonto de só orbitar o próprio umbigo,
é tudo eu, eu, eu… A pergunta
e a resposta pra tudo.
“Eu preciso de amor, mas ninguém
pode me amar como eu me amo”
“Preciso me proteger, mas ninguém
pode me machucar como eu me
machuco”
“Eu encaro o meu maior inimigo
no espelho”
Os outros não servem mais nem
pra ser o inferno, num mundo onde
cada parte se acha maior que o todo.
A geração que não quer esperar
nada de ninguém, espera tudo
de si (só de si)
“Só eu me amo, porque só eu
me jogaria na bala por mim”
A gente tá se amando muito,
vivendo em lua de mel com a gente
mesmo,
A gente tá muito iludido!
Exatamente por isso, venho aqui,
nesse poema, dizer que a gente
precisa se desamar um pouco.
Não importa o que o Instagram diga,
há sim, desses momentos,
em que a gente precisa se desamar
um pouco, nem que seja um pouco;
Sim, a gente precisa se desamar
um pouco, eu preciso, você precisa,
todo mundo precisa
Igual o Narciso precisava.
-*-
SONHEI COM A GENTE
(para Vanessa Galvão)
Pra ver como é o amor:
eu, que não sonho, sonhei
e posso dizer que te amo
em níveis que nem sei…
Voltamos àquela noite,
àquela fatídica noite,
que a gente perdeu a hora,
o ônibus e o juízo
E tivemos que andar
e andamos de mãos dadas,
tarde da noite, pela Rio
Madeira
De mãos dadas, namorados,
tranquilos e
despreocupados,
rindo às gargalhadas
Como se não houvesse
amanhã
(e nem violência urbana)
Como se os teus pais
não fossem ficar doidos
de raiva
Então, como num daqueles
filmes de fantasia, se
desenrolou
às vistas desses meus olhos
tão incrédulos, a nossa
história
Toda. Tudo.
Todas as brigas e pazes,
as noites em claro,
as dificuldades
Mas também,
os deslumbramentos.
Todos. Tudo.
A gente descobrindo o amor
e jeitos de continuar;
A gente vivendo de miojo
e ki-suco, o colchão de
solteiro
que nos furava…
E com tudo ali,
diante dos meus olhos,
aventuras e desventuras
Aperto mais forte a tua
mão,
tu me olhas com os mesmos
olhos de musa encantada
E eu fico tão feliz, veja
só,
tão feliz porque viveria
tudo
de novo.
Enfrentaria tudo de novo.
Sei disso e sei além, pois
tenho certeza que você
também.
-*-
NÃO QUERO FICAR RICO!
Não quero ficar rico,
não quero morrer tentando.
Taí uma isca que eu não
mordo.
Não adianta mentir que é fácil
não adianta dizer que é só
querer. Não sou besta, não.
Quero os meus direitos,
trabalho digno, salário justo,
dias de folga, férias...
E nada de ninguém
me assediando e ficando
impune!
Guardem suas promessas,
a Educação me libertou,
quero os meus direitos
atendidos!
Sentido da vida, pra mim,
é viver.
E posso viver muito bem
sem ter um milhão na conta,
Tendo tempo e cabeça
pra passar com os meus,
pra fazer minhas coisas.
Porra de trabalhar enquanto
eles dormem! Quero é
dormir também!
-*-
JOSÉ DANILO RANGEL é cearense de Itaitinga, radicado em Porto Velho, Rondônia, onde
vive há quase 30 anos. Embora gostasse muito de ler, de Literatura e Arte,
detestava poesia. Não conseguia entender por que alguém dizia uma coisa
querendo dizer outra. Por que não dizia logo a outra? Em 2006, contudo,
apaixonado, decide escrever e escreve um soneto. E também o declama para sua
musa, Vanessa. Nunca mais parou. De lá para cá, participou de saraus, oficinas e
muitos outros eventos, e editou 26 números da revista digital "Expressões!".
Organizou várias edições do sarau "Isso é Poesia?", teve poemas publicados em
diversas coletâneas, sites, blogs, jornais, etc.
Atualmente mantém perfis
literários nas redes sociais, publicando poemas, textos diversos, fotos e
vídeos. Também edita a "Revista Zeh!", publicação digital mensal e independente, onde compartilha os textos mais longos, como prosa, contos e crônicas.
Na sua
página do Facebook faz as transmissões: "Poetas ao Vivo" e "Leitura de
Quinta", onde lê poesia, indica livros, entrevista convidados, etc.
Livros publicados:
capas dos livros publicados pelo autor
1) Papo de Pandemia (D7 Editora, 2021);
2) Poemas Que Escrevi Pra Revidar (D7 Editora, 2022);
3) Minha Carne Ainda Sonha (Letras e Versos, 2022).
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