SEIS POEMAS DE RENATA DALMORA | DO LIVRO "UM ELEFANTE CAMINHA PELA CIDADE"
fotografia do arquivo pessoal da autora
Seis poemas de
Renata Dalmora
do livro
UM ELEFANTE
CAMINHA
PELA CIDADE
O FILME DA MULHER GIGANTE
O homem fez uma jaula de ouro pra mulher.
Fez uma jaula porque tem medo. Da mulher
gigante igual no filme.
A mulher no sonho do homem era uma mulher
gigante feita de tetas e lábios.
A mulher sem cabeça, o folclore do homem.
O homem fez uma jaula bonita, toda
enfeitada de palavras vazias.
A mulher dentro da jaula não pode. Fica
irritada, destrói a jaula nos dentes.
-*-
PARA QUE EU FIQUE COMIGO
Dá-me tempo.
Mais um pouco.
Dá-me todo o tempo.
Para que eu fique comigo.
Para que eu me apresente.
Hoje passou muito tempo.
Hoje passaram-se anos e estou mudada.
Reparei-me de novo, assim, sem mágoas nenhumas.
Assim, sem saber de nada,
Depois de tantas certezas.
A SOMBRA
Fugiste de mim por toda a vida
Mas não sumo.
Me olhe nos olhos,
Eu sou toda olhos,
Eu sou uma estrela morta,
Um vórtice.
Eu sou uma estrela que nasce.
Fugiste de mim por toda a vida
Julgando-me cruel e feia.
Olha-me de novo agora
E diga
Se é possível que vivas
Plenamente
Sem mim.
Mas não sumo.
Me olhe nos olhos,
Eu sou toda olhos,
Eu sou uma estrela morta,
Um vórtice.
Eu sou uma estrela que nasce.
Fugiste de mim por toda a vida
Julgando-me cruel e feia.
Olha-me de novo agora
E diga
Se é possível que vivas
Plenamente
Sem mim.
-*-
CANTO TRISTE
Triste triste
Voa um pássaro
Em seu canto triste
Sem lembrança,
Sem futuro.
Triste o pássaro
Que outrora achava
Que o canto importava.
Não acha mais nada.
Apenas canta
Pra ninguém
O seu canto triste
Sobre coisa nenhuma.
-*-
DA PRAIA À CIDADE
A moça ia pela praia. Que bonito que bonito
é o mar. Vou colher sal para os meus olhos.
Dizem que do mar se colhem peixes.
Vou colher sal para os meus olhos.
Vou levar água e sal para os que moram na
cidade. E peixes.
Vou construir canais de água salgada por
onde correrão os peixes. Peixes-correios. Transportando vida pra lá e pra cá.
Porque a estrada está quebrada.
A moça ia pela cidade.
Que bonita, que bonita a cidade. Vou trazer
água e
sal para a cidade. E os peixes.
-*-
UM ELEFANTE CAMINHA PELA CIDADE
Faz um segundo que o óbvio é velho.
Faz dois segundos que o óbvio é obsoleto.
O óbvio é estático, é um raso sem peixes.
O novo nunca é o mesmo. É o mesmo, mas de
outro jeito. Outra ordem. Como essa história.
Agora é o novo.
Agora um elefante caminha pela cidade,
Uma trapezista.
E também um homem com uma gaita. Mas não
está em quadro.
Está em quadro um outro, com uma sanfona.
Os sons não sei.
A gaita. O trompete. O bramir do elefante.
Se misturam.
A sanfona, com certeza, eu ouço.
A mulher em cena dança,
Não é jovem nem velha.
Tem sua própria idade.
É criança e anciã e é mais livre que
qualquer homem, pois pôde perder as esperanças e então nascer da matéria de si,
A matéria da qual tudo é feito – das coisas
aos sonhos.
-*-
RENATA DALMORA é natural de Jundiaí/SP e reside em São Paulo, capital. Graduada em Biologia e em Artes Cênicas. Atualmente divide suas atividades entre a escrita, composição e atuação.
Autora de O Canto Sedutor dos Mortos e Outras Ressurreições e, apresenta agora seu segundo livro, Um Elefante Caminha pela cidade, ambos publicados pela Editora Pátua.
Desde 2021 vem produzindo suas canções autorais, que podem ser
encontradas em todas as plataformas digitais de música.
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